sábado, novembro 14, 2009

Tic Tac



Não fomos condenados ao nascermos racionais; não ao descobrirmos o que é amar nem ao buscar a vontade natural de compartilhar e segurar firme a mão de alguém. Nós fomos condenados ao sofrimento inevitável porque crescemos em soma e encolhemos em alma.

Céu ou Inferno não é uma escolha, não estão em guerra, são fases e o seu Purgatório vai durar o tempo de um infanticídio, o tempo de um querubino agonizar. Fomos condenados porque vamos todos abandonar a Terra do Nunca. Seremos expulsos dos Jardins da inocência assim que houver apenas o proibido para comer. Haverá então chuva de sapos hirsutos, rios de regras e nuvens de gafanhotos depravados que ensinarão a vergonha às nossas crianças.

Não há redenção em mergulhar o filho no bacinete de São Pedro ou lavá-lo no Jordão, porque a negra moral da estória é que quando a famina vier, a ignorância do que é ser adulto não o deixará cortar os pulsos: Não há escolha. O Pecado Original é para todos, por isso nascemos condenados, porque todos algum dia daremos ouvido a um réptil vil numa árvore, um crocodilo chamado Tempo.





:: Ouvindo :: Tainted Love - Depeche Mode

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 00:38




quarta-feira, agosto 26, 2009

Notivagando



Na calada da noite, o que não fazer senão calar e ouvir a vida apaixonada que a lua preserva. A beleza do sonho no sono, que ávido reserva e nos revela um noturno e esplendente mundo.

Por mais triste ou perversa, lacrimosa e taciturna, não há mente minguante que minta ou desminta que o que amamos adormecidos reflete do âmago da alma num pano insolente, a bela esperança ou singela lembrança de uma pura infância, tenra e eterna. De super-poderes, super-mulheres ou super-podemos que todos nós temos quando se fecham janelas e se acendem velas. Uma cegueira gentil, febril e embalada, tão sábia que com toda lábia nos vende e propõe, quando o sol se põe, um prazer irrecusável.

Sozinhos ou mal-acompanhados, o que a escuridão nos traz sempre nos faz amanhã levantar e viver, pra mais tarde voltar e reviver quem sabe hoje talvez, o "era uma vez..."



:: Ouvindo :: Sound Pulling Heaven - Blue October(cover)

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 06:52




quinta-feira, março 12, 2009

Latissimum*



Não quero a criança
Que vê cores e sons
Sorri para o ruim e pinta de bom
Que nas lágrimas mata sede
E em dor se caleja.

Pequena felina despretensiosa
De sete vidas gloriosas
Que em cada sacrifício do amor
Apaga uma vela, acende duas novas.

Ingênua e tão bela
Feliz e singela
Que amputa uma alma,
Depois faz uma estrela.

Jovem maldita, que com alegria
Perpetua a tortura, em sua esperança
Vive de estóico toda desgraça,
Tira da estória sempre harmonia.

Acorda menina, que se importasse
Coração não pulava, grande e forte
Quente, frágil e imprudente
Tão prepotente e desprotegido
No meio do peito.

Leva o coro, deixa-me o couro
Carrega tua vida pra longe de mim
Larga-me assim, bruto e mortal
Com pouco a perder.

Deixa-me, leva contigo essa aura
Me larga na aurora como pedra de gelo
Que encontro aconchego,
Até minha hora.

*escondido, selado, protegido



:: Ouvindo :: Umbrella - Vanilla Sky (cover)

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 22:06




quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Eu Pierrot




Escrevo hoje pra falar de uma pessoa que não é incomum. Pelo contrário, tão única e normal que posso parecer estar falando de mim mesmo.
Intendo não em exaltar, mas apenas descolar suas qualidades de um quadro negro; de forma que o leitor ludibriado se engane ao pensar que escrevo as memórias de alguém que foi grande enquanto vivo. Tão vivo que a magnitude dos seus pensamentos o tornam imortal. Onde os fracos perecem, ele arregalou os olhos, ferveu os nervos, indagou e questionou a lógica de se amar.
A lógica da própria existência do amor, talvez ilusório, dentro de um corpo humano e singelo, incapaz de recebê-lo.
Escrevo sobre a persona que enganou o tempo, cuja alma pode ter sido descrita no passado, dissecada no futuro ou fossilizada num presente eterno. Alguém que extravazou, transbordou os limites satisfatórios que o corpo oferece para muitos e se aventurou nas incertezas do questionamento corajoso, mergulhou em mares míticos e fatais, colocando seus valores à frente de qualquer medo lógico.
Homem, amigo, é para ti que escrevo, agora que sua nau corta as ondas da conveniência e do consentimento, como a minha há muito vinha sozinha tentando fazer.
É facil, fácil até demais escrever sobre alguém que como um filho, segue, ao seu modo, os rumos da verdade. A dor e o sofrimento que se entrelaçam com a culpa, rancor e remorso. Sensação de tempo perdido num coração despedaçado? O que é isso filho meu, irmão, acredite e confie, que de onde chegamos as lembranças são boas, o presente não é evidente e as satisfações não são claras, mas ganhamos daqui o direito de perder. Perder a noção do tempo. Levamos a sabedoria de sete vidas bem vividas e infinitas vidas errôneas.
Não peço, nem imploro, mas comando, que a perspicácia e percepção que usou para cavar, voltem a ascender, flutuar e reacender as chamas da paixão dentro de si. Que a beleza de seus pensamentos cantem em torno de uma fogueira serena de amor e originalidade, queimando não um incenso de saudade, mas as trevas da obsessão. E a canção será alta e bela, sem tons de compaixão, de chama amarela, fervorosa e estrondosa, com o calor que lhe carece e nos aquece.
Escrevo talvez para lhe salvar, da escuridão dessa sua imaginação, de cabeça virada na direção errada. Quantas vidas passaram antes de se saber o que é o inferno e quantas se gastaram pelo prazer do paraíso prometido? Estamos bem. Estamos ainda no primeiro quarto e já sabemos quem é Adão, quem é Eva, quem é Hades e o que é o Éden.

Levante-se e ande. Não caminhe como palhaço sem ao menos um sapato divertido e desengonçado ou um nariz escarlate engraçado. Que se é pra ser bobo, que seja bobo-dono-da-corte.

Pedro, Pierre, Pierrot.



:: Ouvindo :: Psycho Circus - Kiss

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 07:36




quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Joker Poker




Aqui estamos, onde eu nunca queria que estivéssemos. Olho para meu amor, minha criação e vejo através de sua fronte, sinapses se derretendo como chumbo. Você sabia - sabia que esse dia chegaria - sabia o preço que um dia teria de pagar. Olha pelos meus olhos vidrados, imóveis e sem emoções. Vejo o desespero espraiando suas pupilas. Você sabe, nós sabemos, logo tudo estaria acabado.
Segura suas cartas com a firmeza que seguraria seus cinco filhos na beira de um precipício. Não quer soltá-las, porque sabe que quando todas se forem nada mais fará sentido.
Mantenho a minha mão sem temer, sem tremer. Não cabia mais a mim carregar o jogo, decifrar os movimentos, não importava. Estava feito. Fecho os olhos por um leve segundo e, na escuridão momentânea, você brilha como um anjo negro. Vejo a tensão em cada nó de seus dedos. Mãos que eu tanto beijara, que tanto me afagaram e machucaram. Vejo cada polígono de sua epiderme cintilando como brilhantes, distinguo os cheiros em cada linha de suas digitais. Aquele toque...Posso ouvir o milímetro de cabelo que está surgindo nesse breve segundo do seu couro cabeludo...tantas vezes me aninhei.
Imóvel, eu estava ali, duro e frio como uma lápide, morto. Minha mão não é boa - não me surpreende - nem me importa, não há dama, não há corações. Você espreme uma carta entre seus dedos, como se pudesse tirar daquele rei um resquício do que tudo significou. Eu a vejo, meu bem, esfregando a carta, tentando absorver e ouvir meu sussurro de amor pela última vez. É tarde. Ouço os pulsos correndo pelos seus nervos. Sinto o coração disparado, sei que se pudesse usaria as espadas; que é demais para suportar.
Mantenho minha mão, com seus símbolos negros de lembranças. Sabe que perdeu, antes mesmo de começar, mas não pode fugir, não dessa vez. Agora tem que jogar. Os cristais e diamantes que eu te dera, são agora apenas ouros atrás de suas unhas. Donas de minhas cicatrizes que ardem num prazer incontrolável, ardem em minhas costas e de leve, eu sorrio. O prazer para sempre escarificado em meus flancos, ombros...minha nuca.
Eu sei meu bem, sei que tem um olho no enorme coração vermelho, esse Ás que sempre fôra sua segurança, sua carta na manga, agora estava ali, lado a lado com seu rei, impotente.

Só nos dois, como tem que ser, juntos até o fim.

Em torno de nós estão as lembranças que dilacerei. Um por um, decapitados, presuções e fraturas expostas, com suas sujas entranhas emersas, todos que ousaram interferir, se sentar nessa mesa, essa noite. Nossa noite. Nem o odor da morte esses vermes têm. Tantos corpos caídos à nossa volta e tudo que vejo é você, seu cheiro impregnado em minha garganta.
Não importa quem vença, ninguém sai inteiro daqui essa noite. Um ganha, os dois perdem, como predestinado.
Seu peito infla, seus seios...me chamam. Sua mão insegura estende uma carta, toca a mesa e volta com outra para se juntar ao seu jogo. Faço o mesmo, Uma só carta, não está em nossas mãos. Se assim será, que sejamos juntos. Minha nova carta, a encaixo serenamente entre as outras.
Eu te vejo meu bem, conheço esse olhar. Travando os pulmões você me fixa seus olhos negros, quase apagados, mas ainda vivos, questionando. Sei o que é novo e te confunde em suas mãos, uma possibilidade. Destino travesso quem sabe, um sinal? Mais uma vez, eu sorrio, dessa vez para você, para que talvez não sofresse nunca mais. E percebe, que eu também, obviamente, agora tenho em mãos, um coringa.




:: Ouvindo :: Shivaree - Goodnight Moon

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 20:58




quinta-feira, novembro 06, 2008

Enslave




You may have my hand
You may steal my hat
Burn a seal of lust
And luxury on my back

Call me however you want
Give me a new name
Go tell everyone
That I am your man

I shall give you my body
You may even have my soul
Have fun, go euphoric
Cause I'll never say no

Take grand sips of my blood
As cold water fresh
Strip, dance, drain my sweat
Swear, dare, stare, unload

Enjoy the meet
Cut the beef
Cut me, babe
All my life
out of ribs
I'm your vice
Slice and strip
Strips of me.

Feel my seven colours taste
The delirous scent of saints
Surrending your cursed sense

Subdued, accept your fate
Can't flee, can't fight
The thunderous rhapsody flippant
All the might of Leviathan

Spin spin, like a peon
Can't you see that you're gone?
Laying down in my limbo

Can't you see?

Strip again, strip to me
I'm now forever your sin
Bless the rise of your King.




:: Ouvindo :: Muse - House of the Rising Sun

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 14:12




quarta-feira, julho 09, 2008

Em busca de um sono perdido




Duas da madrugada e nada de sono. Qanto mais penso "preciso dormir, preciso dormir", mais o sono foge. Pensar nas nuvens..talvez isso funcione. Pronto. Pensando em nuvem, uma pequena nuvem, estática...nuvem...nuvem...nuvem...nada de sono...Essa nuvem é um tédio....nuvem..nuv... Ovelhas! Vou contar ovelhas. Dizem que funciona. Contar ovelhas pulando uma cerca. Pulando uma cerca e caindo encima da minha nuvem estática. Lá vai a primeira ovelha, toda gordinha, pulando a cerca...pulou...agora caindo encim...oh céus! A ovelha atravessou a nuvem, está caindo! Mééée, caindo, caindo...E PUFT!. Se espatifou no chão. Blée: panqueca de ovelha. Toda a lã tingida com um vermelho viscoso...Olho em volta, me parece um cemitério de ovelhas, um mar de sangue, onde se pode observar algumas bolotinhas brancas espalhadas aqui e ali. Abaixo de um céu negro e assutador. De volta pra minha nuvem estática. Mais uma ovelha pula, mais uma ovelha cai, e outra, e mais uma...e mais duas...várias ovelhas vão atravessando a minha pequena nuvem rumo ao cemitério "100% algodão". Até que uma ovelha consegue aterrissar sobre a nuvem. Estranho. E outra. Todas vão caindo sobre a nuvem que rapidamente fica lotada. Não cabem mais ovelhas na nuvenzinha. "Excesso de contingente". Mesmo assim, pula mais uma ovelha, empurrando uma outra pra fora da nuvem. Não há espaço! Mas as ovelhas continuam pulando pra cima da nuvem, enquanto do outro lado, outras vão caindo pra morte certa. Está um tumulto de méééé pra cá e méée pra lá. Todas assustadas com os olhos esbugalhados. Mas porque todas brancas as ovelhas? Que venha uma escura. Lá vem a ovelhinha negra, vai pular a cerca, todas as outras observam aquele salto "sombrio". No auge do pulo. BUMM: a ovelha explode, sem mais nem menos. Despejando fuligem sobre todas as outras. Agora todas as ovelhas passam de branco pra cinza. Escurecidas pela ovelhinha negra. As ovelhinhas se entre-olham, sem entender nada...olham na minha direção com cara de "Ahn?". Me lembro: "Preciso dormir, preciso dormir". Mas o sol já está nascendo...são 6 da matina. Não é que as ovelhas funcionam mesmo?




:: Ouvindo :: Puddle of Mudd - She Hates Me

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 04:09




quarta-feira, junho 25, 2008

Nocturnus





Por tantos caminhos
de trevas e trovas
escuros, sombrios
da trilha sonora
ver que não fomos
e nunca pensamos

Em todo esse vinho
de brasas e tragos
tão seco e são sinto
são ser e tão tinto
nunca indagando
que talvez não tolos

Quão fulo é o falo
que em tantos regalos
se rende a farsa
de ser e poder
que vê e disfarça
o ter e perder

Senão esperar
na noite que cai
a vida que esvai
e ter que deixar
ao ver que não somos
mas dia pensamos





:: Ouvindo :: Pink Floyd - Another brick in the wall

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 06:01




sábado, outubro 14, 2006

Song of Chaos




This silence is now
Just freaking me out;
I wish I was deaf
So it passed by unnoticed.
They say rock is dead:
what the hell do they know?
It's like you waked me up,
And started your little show
Before pulling the trigger.

There is no worthy song
To be played, without you
Here saying it is so.
The night tonight is mute.
No more drum'n'bass
Since you left
Your electro-pop
1984's robot
Drinking with no song
On a dancefloor all alone.

Come back to our pound;
We'll make some noise,
Recreate the indie sound.
I'll pretend I'm asleep
So you can wake me to shoot,
And I can take another look
At the shadows of your big black eyes;
Watch your red lipstick smile
As you blow the smoke out the gun.
As the bullet reaches my stopped heart
I'll feel the beats once again,
and the sound of death
will bring me back...
to life.

Just come home baby of mine,
'Cause the darkness of our love is fading away.
On the path through wich you left,
Stars are all quiet tonight,
Like if there's no reason to spark.
The moon just fell like a comet!
I'm not saying I don't like it:
This whole scenario decay!
But I fear the end of the world is near,
And if you're not here with me...
I won't listen to this great
Song of Chaos.



:: Ouvindo :: Pearl Jam - Man Of The Hour

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 00:05




domingo, setembro 17, 2006

Catarse




É agora.
A pluma se soltou e dança
as correntes de ar dentro do quarto.
- Diferenças de pressão me disseram,
do quente pro frio.
A leveza de levar, leva o leve
Me esvaio de ti, corpo quente
Que pena, que pluma, perdida.

Se perder em remoinhos,
ascender chistosos espirais de ar,
flertar com a geografia, revolver as falhas.
- Deixa meu amor, deixa levar
Larga da pluma, solta-a às correntes
e às diferenças, tão pequenas.
Correntes, não que prendem, mas que fogem
do quente pro frio, pro longe.

Larga pluma graciosa, arreda desse pavão
segue leve, leva sua vida,
deixa o galiforme colorido
foge pro mundo, segue a corrente
do quente pro frio
dança nos ventos, pousa ao relento.
Desatrela
Desatrela

Não é mais um fasianídeo, o pavão.
Deixe-o pros experts
- há com mais plumas no sistema solar -
Se foi a pluma, se foi Plutão
Agora o pavão, não têm pena?
Sem pena, sem pluma...
É panela
É panela



:: Ouvindo :: The Gathering - You learn about it

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 19:30




domingo, julho 16, 2006

DOOM




Felicidade nenhuma vale o que a alma sente em momentos como este.
É num segundo assim que o vento sopra pela janela e extingue da vela toda sua chama, que por mais que tenha brilhado e incendiado até agora, se apaga para o sempre, amém.
Tentei, me tentei e me contive. Ingenuamente ela insistiu, sem hesitar, como uma homicida com amnésia, ludibriada pela doentia idéia de ter certeza da felicidade, como negar? Como dar chance ao arrependimento nessa vida que só se vive uma vez? Talvez por vaidade, talvez por costume ou travessura, fomos juntos, puxados por quatro mulas-sem-cabeça, de carruagem para o abismo.
Agora perambulo moribundo, carregando comigo aquela antiga lâmpada que juntos compramos no mercado das pulgas beirando as barcas da Praça XV, como se carregasse todo meu orgulho, o coração da besta sob meus braços. Caminhava não mais em fúria, nem mesmo em sofrimento, quase em apatia total, imaginando nos galhos secos as pessoas que se enforcam, vivendo um pouco como os homens que não se debatem mais, a sensação de não ter ar roçando na traquéia e de não querer sacudir os pés. Seguia imutável, esbarrando naqueles corpos enrijecidos cedendo lentamente aos defuntos pendentes minha vida e estes balançavam-se nas pontas das cordas ensaiando na cena uma dança fúnebre.
Sigo arrastando as feridas e a culpa, como uma pesada armadura que consome as minhas últimas forças, traçando com espesso sangue minhas passadas, com cada gota se vai o calor que ela me deixou e o mundo se faz mais distante. Deixo-me cair vencido, delirante no meio de uma gravura, me estirei sobre Pollock talvez - ah se ele soubesse, me faria assim mesmo, num rabisco o cavaleiro, noutro a traição, pintaria os valores esvanecidos, uma luz do paladino se apagando, e sobre o todo, derrubaria um balde de tinta desaforado e embriagado, faria a princesa.
Jogado dentro de uma ausência total, envolto por um turbilhão de pensamentos, projeções me rodeando vertiginosamente, estrondos e gritos estridentes, clarões, agonizo como uma oferenda com vísceras expostas num ritual tribal. Com olhos revirados, pulso fino, pele fria, de uma palidez cadavérica tenho certeza que estou para entrar na casa de Hades.
Ainda sinto cerrada, pregada em meu punho a lâmpada, minha dignidade. Talvez por ironia da natureza ou crueldade divina me vem em mente um último pensamento antes de me entregar à danação eterna. Se dessa lâmpada eu tivesse agora três desejos eles seriam que ela sumisse, que eu a esquecesse e que ela ascendesse aos céus para não rastejar até mim lá no inferno.



:: Ouvindo :: Fiona Apple - Never is a promise

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 20:26




sexta-feira, abril 28, 2006

Seu Pierrot



Nessa noite, essa lua
Seria só mais uma lua
Se não fosse você nua
Se banhando em seu luar

Saltitando em meu terraço
Me envolvendo a cada passo
Eu desejo mais que posso
Um pedaço lhe arrancar

E por mais que a possua
Que a ponha sempre nua
É somente para a lua
Que você vai saltitar

Eu não sei mais o que faço
Nem tampouco o que posso
Então fico e me destroço
Noutra lua a lhe esperar

Mas se lua não for a sua
Eu não quero mais nenhuma
Me entasso numa bruma
E espero se acabar...



:: Cantando :: Se essa rua fosse minha

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 16:43




domingo, março 12, 2006

Metade dela, metade meu



Sim, mas por favor,
Que eu não chore mais
Porque esta noite febril
Porque esta noite sem fim
Já me tirou demais...
________

Eu já fumei demais!
Bebi demais!
E amanhã...
O que será de mim?

Pois te respondo eu
O que será
Eu te direi quem sou
E te direi que sou
A dor que te doeu.

Lado EU, de ser quem sou.
Meu cabelo, meu castelo,
Meu olhar.
Me fazem o ser que sou.

Te peguei!

Minha presa, minha fisgada
Minha vítima enfeitiçada
Você já era, se apaixonou
Vou te mostrar agora
O que realmente sou...


Por:
René e Sofia



:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 13:56




domingo, dezembro 11, 2005

Pouco antes do pôr-do-sol
Leite rubro se espalha no céu,
Rosas cálidas se espraiam no mar,
Lábios cálidos chamando o desejo
E no sorriso-frêmito o ensaio do gozo
Estremecendo os corpos durante o beijo;
Estrelas incandescentes saltitam no seu olhar
Que encoberto por véu cristalino, são esboço do que é amar.

Como "tapa de pelica"que dói sem doer,
Bisturi preciso na lapidação do diamante,
Você fez o que fez e, por nós, disse não.
Eu porém insisto e sigo sendo dissecado,
Dilacerado, a carecer de ungüentos,
Esmaecendo em agonia para que minha alma anêmica enfim
Possa retornar ao que era a vida,
Ao amor vespertino pós-aulas de inglês.

por:
João Luiz de Souza
Pedro Portilho
René Borges



:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 03:04




sábado, julho 16, 2005

Rage



Se algum dia me vir sofrendo, dando meu sangue por alguma coisa, não pare e me fixe seus olhos tristes, porque não preciso de sua piedade.
Se algum dia achar que realmente vale a pena me esticar uma mão ou me dizer palavras carinhosas apenas porque acha que me encontro em maus lençóis, certifique-se de que em minha mão direita não há uma pedra, ou que em minha mão esquerda não tem lâmina qualquer, e que não irá aproximar sua goela de meus dentes, porque meu amigo, se algum dia vier a sentir pena de mim, juro pelo que for que vou pegar e dilacerar qualquer vida à minha volta.
Quem é você pra me estender a mão? Quem é você pra me dizer que não posso sair dessa sozinho? Quem é você pra me apontar o dedo e afirmar - és um fraco e por isso estou aqui - Não quero sua compaixão! Não quero sua ajuda e amaldiçoo os seus netos, seu cão arrogante, por esse leve sorriso cínico, você que me dizia amigo. Cuspo em sua mão estendida e esgoelo essa voz tão amigável, porque de onde quer que eu esteja, independentemente da profundidade ou escuridão, sairei por conta própria, com forças minhas e ai de você se ousar interferir.
Pode rir, pode até se gabar, mas nunca, nunca mesmo, tente se meter entre eu e minha dignidade.

"A small bird will drop frozen dead from a bough without ever having felt
sorry for itself" - Self-pitty by D.H. Lawrence



:: Ouvindo :: Cry Baby, Janis Joplin

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 00:58




domingo, julho 10, 2005

OO



Um chorando de a ver brincar
Outra rindo de o ver chorar

Menina cética, se diz você
Menina séptica, é ao meu ver

Nunca me viu como um que seria:
- Sola soy, não me obrigue

E não nos viu quando eu via:
- Somos dois, não complique

Nem mesmo aquilo que nos partia:
- se não foi, c'est-la-vie

Até quando voltar, rodar e recomeçar começos infinitos sem fim?

Redundante sou, artista, e redundo.
Redundo, redundo, redondo e confundo
Redundando dou, sortista, o redondo.

Um chorando de a ver brincar
Outra rindo de o ver minguar



:: Ouvindo :: Heavy Metal do senhor, Zeca Baleiro

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 03:54




quinta-feira, março 10, 2005

Súcubos



Naquele dia quem diria, a atiçou minha palha sem rubor.
E já me sonhando umedecer entre seus lábios me sorriu um sorrir especial
Nem mesmo nada nos dissemos, que eu já fazia de você o meu ser cabal
Que já colocava em sua palma minha alma, meu fumo e sabor...

Com graça travessa picotou e esparramou
Minha essência sobre seco junco pálido,
Me passou a língua lasciva, enrolou,
Apertou um fatídico cilindro fálico.

Dia após dia me tragava para seu pulmão
E inalado me deliciava numa dança lúdica.
Era o mais perto que chegaria de seu coração
Cujas batidas maestravam minha doce música.

Já na guimba, ao ter consumido sua sanha como quis,
Me atirou num beco, taciturno como um poeta que escreve,
Sem viço, com mil marcas sobrepostas de rouge-à-lèvre*,
Agora dolorosas lembranças da moléstia, vilã cicatriz.

Abusou e desdenhou, mas impregnei em sua goela viciosa
E como guepardo que asfixia uma gazela graciosa,
As cinzas do meu feral amor
Lhe trouxeram um letal tumor.

Em sangue rubro e negro você me tossia.
(Porque sem junto a seus beiços eu não morreria)
Por escarros escarlates lhe sugaria
E lentamente, novamente, sua vida minha seria.

*rouge-à-lèvre = batom



:: Ouvindo :: Please Do Not Go, Violent Femmes

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 02:37




sexta-feira, dezembro 17, 2004

Ciranda



Me dá um desgosto
seguir nessa estória, que conto, sozinho.
Me dá um desgosto
tocar o piano, se canto, baixinho.

Estando só, ou estando mal-amado,
não há o que eu diga,
não há o que eu faça,

parece mesmo que o dia, não haverá
em que vir-e-ver-me-á e,
viver deixar-lo-á
o que por teimosia,
não deixamos para lá.

Já tentei te apaixonar,
te amar e beijar, recusar,
debochar e te negar, aceitar,
te ligar e implorar, te chorar,
enganar e te trancar, amarrar,
te largar e apagar, te trocar...

Mas ô rima do diabo, que parece não me vir.
Quem sabe se o verbo não é o "desistir".



:: Ouvindo :: My Favorite Mistake, Sheryl Crown

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 02:52




sábado, outubro 23, 2004

Lucena



Um dia eis que surge na vida da gente
Aquele que vemos ficar para sempre.
Você mesmo dizia que - sim - ficaria
Se não fosse a praia e sua maresia.
E ao ver o azul do mar liberdade,
Nadou e fiquei, boiando em saudade.

Se se fez efêmero, se fez pra você,
Mas mal eu sabia que o seu querer
Não passa da porta, não dobra uma esquina
Sem se perder, olhar para cima.
E ao ver azul do céu liberdade,
Se esqueceu de mim, voou pra saudade.

Eu bem que ouvi, sua história dizia,
Mas ao estar aí, o que eu temia?
"Um balde e pincel, te dou de presente.
Faça no papel o retrato da gente."
Pintou o azul, pintou liberdade
Mas em sua arte, só vi a saudade.

Já pouco tocava e agora nem dó
Já pouco soprava e agora nem só
Minha boca ingênua cantava amizade
Sua boca liberta beijava saudade
Sem blues nem azuis, o vento levou
Meu sexo e ópio, o meu rock'n roll.



:: Ouvindo :: Anyway You Want Me, Elvis Presley

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 16:48




quinta-feira, agosto 26, 2004

Ícaro sim, Ícaro não.



Sozinho sentado nas sobras do sol, emboca o beiço e bebe do copo de requeijão, não de cristal, nem tinto de cristo, mas requeijão. No sarrafo vem escrito "Syrah - Cabernet", a suposta uva doce.
Com o passar do vinho, o quarto se deforma e se transforma. Primeiro quadrados se tornam mais curvos, cores mais vívidas, e cantos vazios se preenchem por ecos. Sentidos se fundem e tudo se desenrola e descontrola. Cena bêbada, ébria, avinhada, alcoolizada, embriagada? Quem sabe.

E num instante, o filme pára. Os sons assurdam-se, as cores cegam-se e as vozes mudam-se e mais ainda a sensação é boa, como nos nove meses embrionado.
Pelo vão da cortina surge uma luz, branca como o esquecer e suave como o saber. Invade o quarto e prepara-nos todos: as uvas e eu. A janela se abre e - é um anjo, sei que é - ela surge lindamente, exibindo tudo que a faz merecer o cargo de anjo. Senta-se na janela e sem ser mais do que é, espera. "Não engole saliva, não pisca nem desequilibra, só pode ser anjo... Não vejo suas asas, que diabos fazem com as asas?".
Parece mesmo minha vez de receber, de ser feliz por tanto esperar, por tanto pedir, desejar e ser ateu, chegara de vez a minha vez.
Enfim sorriu, como se empalidecesse o branco omnipresente. Menos atordoado, deixo meu olhar escorrer pelas curvas do seu corpo - palavras de Shakespeare, Camões, Azevedo e até mesmo Sade talvez não pudessem descrever as qualidades da minha escolhida - que bela, que bela é minha afrodite alada...A pele, os seios, a boca, os olh...mas...verdes? Seus olhos...são verdes!

Começou um piscar e antes que pudesse terminá-lo, recebeu entre os olhos a garrafa por mim atirada, caindo janela afora. Do 9º andar viu-se um corpo tombar, lá se foi mais um anjo sem asas e, cá entre nós, um anjo imprudente.

- Porra, verdes.



:: Ouvindo :: Eu te amo, Chico Buarque

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 22:27




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