terça-feira, julho 29, 2003
Cicuta pra todosEstávamos todos reunidos envolta da mesa. Eu, junto à todos os outros "chatos" do planeta. Uns gritavam "flamengo!" sem parar, outros imitavam gaúchos, outros faziam barulhos chatos com os garfos e outros mascavam chiclete como vacas ruminando...fazer o que, eram todos chatos, por isso foram convidados. Havia do lado esquerdo da mesa, uma senhora. Era uma velha com um casaco de lã vermelho. Ela parecia resmungar algo para seu vizinho de mesa, que ficava cutucando o outro vizinho enquanto ouvia. Curioso perguntei: - Minha senhora, porque foi convidada? - Não te interessa. - Vamos lá, está entre amigos aqui. Podia ouvir dois garotos repetindo com uma voz ridícula tudo aquilo que eu dizia. Só sendo chatos mesmo. - Eu estava no supermercado e queria iogurte. Mas a caixa vinha com 4. Eu só queria 1. E a atendente me disse que não podia comprar só 1. Como não??? - Qual o problema com 4? A validade é de 1 mês...tem bastante tempo pra comê-los. - Mas eu prefiro voltar lá todo dia e comprar 1 de cada vez! - Só pra ser chata? - Exato! Olha como estou velha. Só posso ser chata agora que a minha vida acabou. - É, realmente. Prazer em tê-la conosco. Na ponta da mesa havia um senhor extremamente feio, barrigudo, com olhos esbugalhados e nariz arrebitado. - Qual o seu nome senhor? - Nomes, nem mesmos por nós são escolhidos. Nada têm em comum com nosso "ser". Do que adianta querer ser aquilo que não somos? - Certo, como chamarei a sua pessoa enquanto não tiver um nome definido? - Sócrates mesmo, como impuseram meus criadores. - Se gostou do nome, então por que a reclamação? - Estou apenas horando o convite, meu jovem. - Mas é claro, está aí um homem honesto. Sabe que é chato. - Mas sim senhor, todos sabemos quem somos, recusar a si mesmo é recusar à vida. - Tá, tá, nem vou perguntar porque está aqui. ::[Ouvi de um amigo, muito interessado em filosofia, que apesar de uma mente brilhante, Sócrates era um tremendo pé no saco. E fora condenado à morte por isso, por ser chato. As pessoas o admiram porque não estavam lá ouvindo cada palavra dele. Leram livros...obras de Platão. E o que há de melhor num livro? Quando começar a encher o saco, você fecha e põe debaixo da cama!]:: Me levantei, peguei a colher e bati contra o copo tentando chamar a atenção de todos...obviamente, eram chatos fingindo não me ouvir. Então arremessei a colher contra a parede...nada de silêncio...Numa nova tentatica, joguei o copo o mais longe que pude, acertando um convidado lá no meio da mesa. Ele caiu da cadeira. Todos apontaram e riram. Depois, alguns se puseram à imitar a cena. Colocando a mão na cabeça como se tivessem recebido uma "copada" na cabeça também. Até o senhor que fora atingido pelo copo se levantou e começou a fazer caretas e gritar "Não doeu, não doeu, não doeu..." E mesmo assim nada de atenção. Sabia que não teria atenção de todos aqueles chatos. Por isso apenas fiz um sinal para o maître que veio até mim. Sussurrei em seu ouvido: "Por favor, sirva a cicuta*." *Cicuta: conium maculatum: veneno. - Israel Son - 02:02 |