sábado, setembro 27, 2003

À menina do vestido-Ipê



Nasceu na beira da estrada, estrada não, Rodovia dos Bandeirantes; em algum lugar por ali, no interior de São Paulo.
Mesmo pequeno, fôra abandonado, deixado sozinho, ainda pelado. "Vai filho meu, vai ser grande na vida", disse-lhe ela antes de partir para não mais voltar.
Migraram todos para o sul, deixando o pequeno desamparado. Mas ele não desistiu, teve briga de foice com a Morte e viveu. Perto de onde nascera, havia um enorme Ipê amarelo, bem no meio de um imenso pasto. O Ipê era ùnico dono de todo aquele pasto e o nosso amigo nada tinha.
Na pista, carros passavam e comentavam: "Mas que bonito é o Ipê amarelo, único dono de todo aquele pasto".
Isso mesmo, nada diziam do nosso piccolino, solidão era seu solo destino. Pra falar a verdade, nem a Solidão lhe restava, pois o Ipê, o Solitário do pasto a roubava.
Um belo dia, farto de tanto abandono, nosso amigo destemido aproximou-se do asfalto decidido: "Não aguento mais tanto sofrimento, morrerei de motorista desatento."
Lá no horizonte, morro acima, seu carrasco, um enorme urubu negro, se aproxima. Um carro, a mais de 100 milhas horárias. Esperou o tempo certo e voou contra o pára-brisas, acabando de vez com aquilo tudo, ou melhor, com "aquilo nada".
De dentro do automóvel, no banco do passageiro, quase não reparei na serena colisão, pois observava o enorme Ipê amarelo, único dono de todo aquele pasto. Ainda assim, sem desviar o olhar perguntei:
- Morreu?
- Morreu. Respondeu meu tio.
- Ô pássaro suicida.



:: Ouvindo :: Starcrazy, Suede. (Não saiu da cabeça o dia todo)

:: Rabiscos de cela:
- Israel Son - 01:37




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