sábado, outubro 25, 2003

Memórias De Uma Esquizofrênica



" "Isto é uma cadeira". Mas a palavra era decantada, despojada de tôda signifição, havia abandonado o objeto, separara-se dêle a tal ponto que havia de um lado a "coisa viva e zombando" e de outro, seu nome, vazio de qualquer sentido, como um invólucro esvaziado de seu conteúdo. Não conseguia mais reunir os dois elementos. E lá ficava, diante dêles, apavorada. Então me queixava dizendo: "As coisas me perseguem! Tenho mêdo!" Quando me pediam descrição objetiva, perguntando-me "Êste jarro, esta cadeira, você os vê como se fossem vivos?" Eu respondia: "Vejo sim, eles estão vivos". E as pessoas, inclusive os médicos, acreditavam que eu via os objetos como se fôssem gente e até os ouvia falar.
Ora nada disso. A sua vida era unicamente a sua presença, a sua existência. Para lhes fugir eu escondia a cabeça nos braços ou me metia num canto. Vivi então um período de intensa agitação. Tudo se mexia, existia, zombava de mim. Na rua parecia que as pessoas tinham enlouquecido, circulavam sem motivo, se encontravam umas com as outras e com as coisas, que se haviam tornado mais reais do que as pessoas. Ao mesmo tempo eu recebia ordens do Sistema*. Mas não as ouvia como se fôssem vozes. Apesar disso, eram tão imperiosos quanto se falassem em altas vozes. Enquanto escrevia a máquina, subitamente, sem que nem de longe eu esperasse, uma fôrça que não era um impulso, mas parecia uma voz de comando, me ordenava que fôsse queimar a minha mão direita ou queimar a casa em que eu estava. Resistia, com tôdas as minhas fôrças, a essas ordens. Telefonava a "Mamãe" ** para contar que recebia ordens do Sistema. Sua voz me tranqüilizava dizendo que a ela é que eu devia ouvir, não ao Sistema, e se êste se tornasse muito insistente eu devia correr para junto dela; isto e acalmava consideravelmente."

Obra: Memórias de uma Esquizofrênica, por Renée alguma coisa...

* Sistema: a garota chama de Sistema, tudo que compõe a irrealidade que a atormenta e que, ao longo do livro, vai dominando cada vez mais seu dia-dia. Ela fala como se tudo à sua volta estivesse vivo e trava uma grande luta contra si mesma, para não se tornar parte desse Sistema.

** "Mamãe": é como ela chama sua psicóloga. Era a única pessoa capaz de trazer um pouco de realidade para sua vida. A "Mamãe" era seu refúgio no mundo irreal.

Esse é um pedacinho do livro que ando lendo. A autora é a própria esquizofrênica, obviamente. Uma francesa que mora em Paris, tem até um filme baseado no livro. Algo curioso é que a mulher tem o meu nome...bem, quase o meu nome; o nome dela é Renée. O livro é demais.



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- Israel Son - 13:01




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