domingo, novembro 16, 2003
Rei Salomão moderninhoEra uma vez um garoto chamado... tanto faz, era uma vez um garoto. Vivia numa cidade muito quente, onde ar frio era privilégio de grandes empresas e famílias ricas. Por isso o garoto estudou e muito estudou, para ter um dia seu próprio ar frio. Queria ter um ar-condicionado, era seu sonho, seu maior desejo, o MAIOR desejo. Estudou; seus anos de estudo lhe deram acesso à faculdade. Mais alguns anos de esforço e tinha então uma profissão. Pôde entrar para uma grande empresa, onde havia ar-condicionado central. Conseguiu dinheiro pra comprar também um carro com ar-condicionado, onde podia até mesmo brincar de Deus, regulando a temperatura e tudo mais. Já tinha muito mais ar frio do que havia desejado quando pequeno, mesmo assim, dominado por sua ganância, comprou aparelhos climatizantes para seu apartamento e sempre que saía, freqüentava restaurantes, museus e danceterias que tinham também os seus aparelhos para condicionar o ar. Nosso personagem estava mais do que realizado, não vivia um minuto sequer em temperatura acima do que desejava. Onde ia sempre tinha o ar frio e seco que tanto adorava. Acordava com ar-condicionado ligado, descia por seu elevador climatizado, entrava em seu carro refrigerado, ia para sua empresa com ar central e ao final do dia retornava para seu lar geladinho. Anos se passaram e o rapaz viveu assim, numa fria felicidade. Mas toda sua ganância tinha um preço, que pra variar, era muito alto. Um dia o rapaz, após acordar, foi direto ao banheiro lavar o rosto, como de costume. Ainda de olhos fechados, abriu a torneira, colocou as mãos em forma de concha sob o fio de água, sentiu as mãos se molhando e, quando achou que o volume de água era suficiente para lavar o rosto, levantou as mãos em direção aos olhos... Nada, seu rosto nem sequer se molhou, olhou para as mãos: estavam secas. Não entendeu. Tentou novamente...e nada. Como podia ter sentido as mãos se molhando duas vezes e agora estavam totalmente secas? Novamente, colocou as mãos debaixo d'água e teve então o maior susto de sua vida, a água caía sobre sua mão e desaparecia. Suas mãos estavam absorvendo todo o líquido. Coçou os olhos, não podia acreditar...correu para outro banheiro, tentou novamente e a mesma coisa insistia em acontecer. Suas mãos continuavam secas. Entrou debaixo da ducha onde certamente se molharia, a mesma coisa ocorria, a água batia em seu corpo e penetrava em sua pele. Nada escorria pelo ralo, nada. Achava estar sonhando, bateu a cabeça contra a parede, se beliscou diversas vezes, cada vez mais forte...e nada...continuava absorvendo toda água que tocava. Correu para cozinha, pegou um copo no armário, colocou debaixo da torneira aberta... a água caía no copo, parecia atravessar o vidro e penetrar em sua pele. Antes que pudesse sequer provar o gosto da água, o copo estava seco. Tentou beber diretamente da torneira, mas sua língua absorvia tudo..continuava com muita sede. Decidiu tentar comer alguma coisa, correu para o cesto de frutos, escolheu uma maçã, das grandes. A fruta que pegou começou a perder sua cor apetitosa, murchando, como se consumida de dentro pra fora e antes que pudesse sequer dar uma mordida na maçã, ela havia se tornado um punhado de pó, que escapava por entre seus dedos. Ainda abismado, com a esperança de que logo logo acordaria daquele terrível pesadelo e tudo voltaria ao normal, ele entendeu o que estava acontecendo. Sua ganância o fez ir muito além do que havia desejado e agora ele se tornara exatamente aquilo que tanto estudou, trabalhou e se esforçou para ter. Ele havia se tornado, um ar-condicionado (opa, rima rara). Ninguém sabe de certo o que acontecera no final, uns dizem que o coitado morreu de sede, outros juram que inchou até explodir. Eu acredito que ainda vive e que se mudou para o Nordeste...para aquele tal de "Polígono das Secas" sabe? Essa imagem é uma metáfora. :: Ouvindo :: Where Will You Go, Evanescence :: Rabiscos de cela: - Israel Son - 21:19 |