domingo, julho 16, 2006
DOOMFelicidade nenhuma vale o que a alma sente em momentos como este. É num segundo assim que o vento sopra pela janela e extingue da vela toda sua chama, que por mais que tenha brilhado e incendiado até agora, se apaga para o sempre, amém. Tentei, me tentei e me contive. Ingenuamente ela insistiu, sem hesitar, como uma homicida com amnésia, ludibriada pela doentia idéia de ter certeza da felicidade, como negar? Como dar chance ao arrependimento nessa vida que só se vive uma vez? Talvez por vaidade, talvez por costume ou travessura, fomos juntos, puxados por quatro mulas-sem-cabeça, de carruagem para o abismo. Agora perambulo moribundo, carregando comigo aquela antiga lâmpada que juntos compramos no mercado das pulgas beirando as barcas da Praça XV, como se carregasse todo meu orgulho, o coração da besta sob meus braços. Caminhava não mais em fúria, nem mesmo em sofrimento, quase em apatia total, imaginando nos galhos secos as pessoas que se enforcam, vivendo um pouco como os homens que não se debatem mais, a sensação de não ter ar roçando na traquéia e de não querer sacudir os pés. Seguia imutável, esbarrando naqueles corpos enrijecidos cedendo lentamente aos defuntos pendentes minha vida e estes balançavam-se nas pontas das cordas ensaiando na cena uma dança fúnebre. Sigo arrastando as feridas e a culpa, como uma pesada armadura que consome as minhas últimas forças, traçando com espesso sangue minhas passadas, com cada gota se vai o calor que ela me deixou e o mundo se faz mais distante. Deixo-me cair vencido, delirante no meio de uma gravura, me estirei sobre Pollock talvez - ah se ele soubesse, me faria assim mesmo, num rabisco o cavaleiro, noutro a traição, pintaria os valores esvanecidos, uma luz do paladino se apagando, e sobre o todo, derrubaria um balde de tinta desaforado e embriagado, faria a princesa. Jogado dentro de uma ausência total, envolto por um turbilhão de pensamentos, projeções me rodeando vertiginosamente, estrondos e gritos estridentes, clarões, agonizo como uma oferenda com vísceras expostas num ritual tribal. Com olhos revirados, pulso fino, pele fria, de uma palidez cadavérica tenho certeza que estou para entrar na casa de Hades. Ainda sinto cerrada, pregada em meu punho a lâmpada, minha dignidade. Talvez por ironia da natureza ou crueldade divina me vem em mente um último pensamento antes de me entregar à danação eterna. Se dessa lâmpada eu tivesse agora três desejos eles seriam que ela sumisse, que eu a esquecesse e que ela ascendesse aos céus para não rastejar até mim lá no inferno. :: Ouvindo :: Fiona Apple - Never is a promise :: Rabiscos de cela: - Israel Son - 20:26 |